Peraí, peraí. Não é só de música que eu tô falando. É DE ROCK, PORRA. Um ritmo que, assim como a História de um modo geral, sofre mudanças com o tempo. A música é fruto de impulsos, sentimentos e reflexões que também caracterizam a época de onde provém, e o rock é uma dessas manifestações, característica de uma época. Para ser mais exato, de 50/60 anos para cá. Mas para sermos um pouco mais precisos, vamos recortar ainda mais. Estamos falando das décadas de 70/80. Estamos falando do punk. E estamos falando das primeiras décadas de existência de uma cidade incomum: Brasília. E assim, mais uma peça do quebra-cabeça que é o título do meu post se desvela. Qual seria a paixão, então? Essa eu vou deixar para o final.
E aí vocês poderiam perguntar: "o que caralhos esse monte de coisa tem a ver uma com a outra"? Como diria Jack, O Estripador, "vamos por partes". Primeiro precisamos entender: de onde vem o punk?
A música acima é, talvez (ou com certeza), a música mais conhecida daquela que é considerada a primeira banda punk: Ramones. E devo dizer, uma das minhas favoritas. Através não só dessa música, como de outras do Ramones, assim como de outras bandas importantes que surgem nesse período, como The Clash e Sex Pistols, podemos compreender todo um contexto histórico. O punk rock é mais forte, mais incisivo e crítico em relação à realidade em que está, em comparação com os rocks anteriores, que estão conectados ao contexto da contracultura e da psicodelia. Pode-se dizer que o punk, então, se afasta um pouco da utopia e abraça a revolta. É, senhores, the kids are losing their minds.
Onde entra Brasília nisso tudo? Primeiro: é uma cidade que nasce praticamente junto a esse ritmo, ritmo esse que também caracteriza um estilo próprio. Segundo: é uma cidade que também, aos poucos, largou a utopia e abraçou o caos. Uma vez ouvi dizer que Brasília é o "futuro do pretérito": seus prédios e monumentos encarnam a visão que se tinha do futuro na época em que foi construída, no final dos anos 50. Encarna a esperança de um futuro que ainda não veio, que talvez nunca virá. Uma utopia e um anacronismo cravados no Planalto Central.
Acontece que uma hora, como disse John Lennon, o sonho termina. E é nessa hora que a realidade inexorável se abre aos olhos de todos, a realidade de um país corrupto, de um Estado inútil e de uma cidade que também tem seus tantos e tantos problemas... E aí, surge o caos.
O rock brasiliense é, de início, a história de uma "Turma", como eles mesmos se chamavam. O engraçado é que essa Turma era formada por gente que, na teoria, dificilmente se encaixaria na definição de punk que eu dei antes. Filhos de diplomatas, de pessoas de poder e de posses, essa Turma, que daria origem a bandas como Plebe Rude, Capital Inicial, Raimundos e Legião Urbana, proveniente de diversas partes da cidade e que teve seu início no lugar conhecido como "Colina" nas proximidades da Universidade de Brasília, lugar que deu ao grupo o seu nome, "Turma da Colina", buscava matar o tédio (que até hoje existe, convenhamos) da cidade onde moravam se reunindo frequentemente pra beber umas e ouvir as músicas dessas bandas que entravam em contato quando viajavam ao exterior. E daí surgiram diversas histórias.
"Teve uma Festa dos Estados e o Renato [Russo] estava com o cabelo pintado. Então a polícia resolveu dar uma geral na galera. [..] Nós já estávamos num canto tomando geral e chegando mais gente. Aí, o Gutje roubou a garrafa de uísque de alguém, saiu correndo e entrou numa porta- era a delegacia de polícia. Os guardas encostaram todo mundo na parede, deram o maior sermão e deixaram o Renato quieto. Aí, os guardas começaram a implicar com ele. Perguntaram seu nome, mas não lembro o que o Renato respondeu que o cara deu um tapão. O Renato ajoelhou e o policial perguntou de novo: 'qual é o teu nome?' e o Renato respondeu: 'seu guarda, o senhor está muito nervoso, qual é o seu signo?' e tomou outro bofetão."
Nenhuma das pessoas que viveram essa história possui um caráter tão emblemático quanto o de Renato Russo. Ás vezes inspirador, às vezes problemático, às vezes as duas coisas ao mesmo tempo, Renato foi o "guru" da Turma, um homem de personalidade controversa, mas com um talento que beira a unanimidade até os dias atuais. Não nasceu em Brasília, mas viveu Brasília, com todas as perfeições, imperfeições e idiossincrasias que esta cidade mantêm, retratando-a em canções que se tornaram lendárias, como Faroeste Caboclo e Anúncio de Refrigerante. Porém, sua relação com a cidade era de amor e ódio. Renato fez seu último show em Brasília no Estádio Mané Garrincha, com a Legião Urbana, em 18 de Junho de 1988, marcado por baderna, quebra-quebra, mais de 200 feridos e pelo cantor xingando seus próprios fãs. Nunca mais voltou à capital.
Pichação encontrada após o último show da Legião em Brasília
Porém, Renato pode ter "brigado" com Brasília, mas nunca a esqueceu, nunca deixou de viver o que essa cidade representa, assim como seus fãs nunca esqueceram de suas músicas e do quanto tudo aquilo, o ritmo, a utopia, a revolta e a paixão (opa, ainda se lembram do título?) que tudo aquilo junto significava, de ainda tomar umas e se divertir com os brothers depois da porra toda. Paixão essa que também é minha, afinal, o caos, por mais contraditório e louco que pareça, motiva a todos nós.
Abraço, PORRA!